A FALA E A ESCUTA COMO RECURSOS EMANCIPADORES
O maior bem que podemos fazer pela vida de uma pessoa, mesmo não tendo imediatamente e no mesmo instante condições técnicas de fazer algo para aliviar o seu sofrimento, é acompanhar, com o recurso de sabedoria que possuímos, o seu trajeto de sofrimento através de uma escuta compreensiva, e isso significa que precisamos nos despir dos preconceitos antigos que assombram nosso caráter, bem como dos nossos medos que nos impedem de uma aproximação mais cuidadosa com aquele que confiou os seus segredos mais delicados e íntimos.
Muitos seres humanos, imersos numa atmosfera de extrema indiferença, só precisam mesmo é ter alguém ao seu lado que os ouça, pois nesse ato de serem ouvidas e compreendidas começam, o que já um bom começo para o início de sua recuperação psíquica e espiritual, a se sentirem mais valorizadas e importantes do que outrora, uma vez que tiveram um amparo/alicerce para não sucumbirem ao abismo de suas fragilidades.
O amparo que promana da fala, quando nos empenhamos na melhora da qualidade de vida de um indivíduo, mesmo que seja uma pequena contribuição perto do que precisa ser feito, é uma dos instrumentos mais interessantes que possuímos para auxiliarmos uma pessoa no seu processo de cura.
As palavras que pronunciamos possuem a doçura de aliviar a dor que os indivíduos adoecidos psiquicamente (frágeis e titubeantes que estão perante a vida) estão à muito custo carregando; são elas, quando pronunciadas no momento mais propício para o seu recebimento, antídotos mais eficazes do que qualquer outro remédio produzido em laboratório, uma vez que servem, além da própria intervenção propriamente dita, para auxiliar no processo de aprendizado, tendo o potencial de fomentar uma educação enriquecedora.
A fala, que se pretende ser agente de um longo processo de promoção à saúde psíquica, pode se revelar desde um discurso que engloba os mais diversos saberes, a fim de se fazer uma intervenção meticulosa do ente portador de uma certa patologia (nesse caso estamos tratando da psicologia e da psiquiatria com seus saberes acerca da psique humana); até um discurso revelado com o intento de libertar espiritualmente os indivíduos da opressão/tribulação que suas vidas entraram. Nesse discurso, uma outra forma de clarear a escuridão de uma vida desorientada, se dá através do contato mais imediato com o divino, o ente deposita sua fé nessa força maior; que, por sua vez, pode operar milagres ou grandes alívios pela via de uma confiança irrestrita no único que pode curar o homem.
Pelo nome DEUS se faz curas inimagináveis, curas essas que desafiam a ciência com toda a sua complexidade. Essa fala, inflamada pelo dom do espírito santo, só é possível através daquele ser que é dotado de uma bondade de coração, mas, sobretudo, de uma sensibilidade de alma para com os necessitados. Quem é essa pessoa senão aquela que pela palavra de Deus se solidarizou com o sofrimento alheio e a partir daí, crendo em Jesus, trouxe a sua mensagem de conforto aos oprimidos juntamente com as bençãos de um discurso abençoado?
Pelo discurso produzido pela fala podemos libertar, quando aprendemos o significado de se cuidar de uma vida ameaçada de dissolução; mas quando há o seu empobrecimento corremos o risco de perdermos todo um potencial subjacente da linguagem, e assim nos tornarmos vítimas de um saber para lá de suspeito, que disfarça de verdade uma simples e mera pretensão ideológica.Um discurso assim pode se dar num contexto em que a humanidade sofre com a decadência dos valores espirituais, éticos e culturais, como o que aconteceu na Alemanha na segunda grande guerra mundial, ou mesmo, como o que acontece nos dias de hoje em plena ditadura do neoliberalismo, onde uma falsidade pode se transformar em verdade e, como bem disse Camus uma vez, em tempos assim, em épocas sombrias, um assassino pode se transformar em juiz, tendo autoridade de condenar à morte milhões de inocentes.Esse é o preço que pagamos por admitirmos pragas ideológicas se disseminarem em nossa sociedade.
Um discurso, portanto, pode tanto servir para a emancipação de um povo quando se tem em vista a luta pela sua independência e identidade cultural, como também para sua escravidão, onde se legitima o direito de quem de quem deve viver.
Que a força que emana de nossa fala seja, portanto, uma benção na vida daqueles que necessitam de nosso cuidado e compreensão, e não uma simples vaidade odiosa frente as terríveis dores de um ser! Que a nossa sinceridade para amar seja tão vivaz na vida dos que necessitam de amor! Que possamos irradiar de nosso ser luz sobre as trevas de uma uma existência quase morta! E que a nossa aptidão para compreender e cuidar não seja um falatório a serviço de uma instituição ou ideologia impregnada de ilusões!
Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 27/01/2017