A SENSIBILIDADE
A sensibilidade exacerbada do artista é a sua grande dádiva; mas, acima de tudo, é movido pela capacidade de emocionar e de ser emocionado, seja pela beleza das artes, seja pela beleza das manifestações cósmicas. De maneira intensa, busca interagir com a beleza de tudo o que o cerca; não só o beneficia no momento de produzir obras de valor incomensurável, como também dá condições e possibilidades (ao mesmo tempo em que leva adiante uma verdade pessoal vivida com toda a paixão) de desocultar aquilo que há muito tempo foi negligenciado pelas trevas da dormência espiritual.
São os homens inconformados com as mazelas histórico-sociais, aqueles que sabem discorrer ou pintar um panorama sobre o contexto de um era marca pela inautenticidade e pela letargia generalizada. Tamanha sensibilidade de espírito nos tempos de grandes calamidades, pode resultar numa produção artística e intelectual de grande envergadura.
Nietzche, filósofo alemão, acerca dos grandes pensadores e dos homens dotados de profundo senso crítico, expressa de maneira belissima essas ideias: ''São os tempos de grande perigo em que aparecem os filósofos.Então, quando a roda rola com sempre mais rapidez, eles e a arte tomam lugar nos mitos em extinção.Mas projetam-se muito à frente, pois só muito devagar a atenção dos contemporâneos para eles se volta.Um povo consciente de seus perigos gera um gênio''. Sem dúvidas, um gênio (não somente os filósofos, mas também os cientistas, os artistas e os poetas) sempre estão a frente de seu tempo, pois souberam mais do que ninguém perceber coisas que poucos se atentaram.
A força do artista, como mostrei, está em sua sensibilidade. Esta é a condição de todos os homens de grande capacidade intelectual e de criação. A arte é uma habilidade de fazer transcender as percepções da alma, enquanto a força da sensibilidade é um tesouro que, junto com a riqueza das experiências vividas intensamente, impulsiona os grandes artistas para um mergulho profundo na existência dos homens em sociedade (sendo esta muitas vezes marcada pela banalidade e pela alienação).
Pela sensibilidade, podemos alçar voos distantes e duradouros em torno da condição que a sociedade impôs para os indivíduos, uma sociedade do qual muitos precisam viver na clandestinidade se quiserem desfrutar de um mínimo de dignidade; enquanto a integridade só pode ser conquistada através de uma força de vontade reservada para poucos.
Sem dúvida, aquele que é dotado de sensibilidade (resvalando impetuosamente como um fluxo de uma maré revolta sobre o corpo em impulso criativo), aprendeu a ir além da superficialidade; porém quem desceu na decadência de todos dias não só aprendeu a desvendar grande parte dos segredos vedados ao homem inflexível e inquebrantável, como também soube extrair da existência um belo ensinamento prático para o restante da vida, pois teve coragem de transpor os limites estreitos da segurança proveniente de uma sociedade caótica, a mesma que tenta ordenar o que é inevitavelmente anárquico e sem controle.
Os grandes profetas, bem como os grandes cientistas, artistas, revolucionários e livre pensadores, fizeram de sua existência um palco de rica atuação, enquanto a sensibilidade sempre foi a grande mola propulsora para o surgimento das intuições geniais e percepções inusitadas. A sensibilidade e a liberdade criativa são instrumentos emancipadores, armas poderosíssimas empunhadas por aqueles que lutam e guerreiam sem trégua para alcançarem seus ideais cheios de sofisticação e objetivos impregnados de anseios.
Quem tem sensibilidade para escutar os murmúrios do mundo, tem condições de entender os anseios, as frustrações e as motivações daqueles que sofrem sem saber o porquê de tamanho sofrimento. Um bom psicólogo, por exemplo, é aquele que naturalmente- se é que é possível usar essa expressão- tem uma sensibilidade e uma habilidade de ouvir o seu paciente em silêncio, embora haja momentos em que a sua intervenção seja imprescindível; já o bom poeta e o livre pensador são aqueles que souberam extrair de suas respectivas sensibilidades exacerbadas e de seus ímpetos inquietantes, um campo fértil para o aperfeiçoamento de suas obras.Tanto um, quanto o outro são impulsionados para o engajamento nas grandes causas. Há pessoas que são impulsionadas pelo sentido de missão, muitas vezes enfrentando desafios e perigos em prol de suas ideias brilhantes, ideias carregadas de intuições e de genialidade. Tais intentos de irradiar originalidade, ousadia e profundas descobertas não escondem uma pretensão de se jogar ou se lançar num mundo, ora ameaçador, ora perigoso; mas que é também, em compensação, repleto de coisas interessantes para serem vistas e possibilidades para serem bem vividas com paixão e admiração.
Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 07/04/2017
Alterado em 07/04/2017