APRECIAÇÕES E REFLEXÕES FILOSÓFICAS
1-
Aprecio muito mais expor um pensamento desiludido de qualquer rigor e abstração, um pensamento que me ajuda a entender o meu ser no mundo, como também o sentido de minhas próprias ações nem sempre coerentes e geradoras de bons resultados; ao invés de um pensamento inebriado por um jargão quase indecifrável e por um sistema baseado numa lógica quase inexplorável.
Certamente eu aprendo mais com aquelas sabedorias que, ao se basearem na experiência vivida pelo seu autor, dão grande enfase ao tema da transcendência, da liberdade, do amor, da verdade libertadora, da condição humana e dos mais variados dramas existenciais que permeiam a vida em geral; do que propriamente aquelas sabedorias (se é que posso chamar assim) que se fundam numa linguagem coerente e extremamente objetivista; ou melhor, que buscam ser rigorosamente científicas, a fim de explicar, com maior precisão possível, o cosmos e a vida.
Aprendo, enfim, muito mais com as ideias de pensadores como Cioran, Unamuno, Schopenhauer e Kierkegaard, pensadores esses que souberam como ninguém, cada um da sua maneira, expressarem as suas angústias existenciais e os seus conflitos internos (sem deixaram de desenvolverem certo rigor), do que aqueles sistemas herméticos criados por pensadores originais como Kant, Hegel, Descartes e Leibniz, sistemas esses que, de forma infrutífera, nos mostra um otimismo que não nos leva a lugar algum, apesar da coerência e da coesão interna que estrutura os seus escritos.
2-
Aprecio, com toda a alegria e regozijo no coração, irradiar reflexões que tenham como singela finalidade trazer à luz da consciência uma desconcertante e profunda meditação sobre o sentido da existência humana, uma meditação que não se cansa de ser lúcida: capaz de mostrar os paradoxos, as dissonâncias e as latentes contradições ao qual estamos sujeitos.
Enfim, quero apenas expressar com sabedoria as desilusões e as descobertas que sempre têm forças para nos transformar integralmente; mas também as minhas esperanças e as minhas grandes paixões que ainda tenho na vida. Escrever é, portanto, uma maneira que encontrei para pensar o meu pensamento e os meus conflitos; bem como a minha missão e o meu próprio ser imbricado nesse mundo conturbado. Porém, o meu pensar é desprovido de qualquer ambição e otimismo estúpido de transformar e revolucionar o meu meio social. Apenas me aprazo em expressar com delicadeza e sensibilidade, num estilo veemente e apaixonado, as minhas vivências acerca de certos assuntos que sempre estarão presentes na vida de cada ser humano.
3-
Falando um pouco melhor sobre o pensamento dos filósofos aforismáticos e e com forte inspiração trágica, pretendo fazer nessa breve digressão, salientando algumas ideias interessantes e críticas valiosas. De forma bem desconcertante e lúcida, Cioran, acerca do filósofo Kant, diz no seu livro ''Breviário de decomposição'' o que também penso acerca desse pensamento que, paradoxalmente, não deixa de ser importante para o mundo ocidental: ''Afastei-me da filosofia no momento em que se tornou impossível para mim descobrir em Kant alguma fraqueza humana, algum acento de verdadeira tristeza”. Certamente não é possível ver em Kant qualquer indício de uma dor pessoal que o motiva a chegar a certas intuições, tampouco é possível perceber alguma fraqueza ou impasse existencial que o faça a pensar de tal modo.
Ao contrário de um pensador que dá ênfase excessiva na objetividade, podemos também encontrar na história da filosofa um pensador que escreve as suas reflexões com base nas suas vivências mais profundas: assim é Cioran, gostem dele ou não. Apesar de seu fascínio pela morte e pelo suicídio, o pensador romeno me inspira, especialmente quando expressa o seu lirismo desconcertante e demolidor; nesse aspecto acho-o genial! Sob grande desespero, erige um estilo peculiar permeado de uma linguagem carregada de intensidade, impetuosidade, revolta, melancolia e pessimismo diante da vida. Essa maneira de filosofar é de grande importância, pois, além de nos colocar mais próximo dos reais problemas da vida, nos mostra que há várias alternativas para inspirar uma pessoa comum a filosofar!
Kierkegaard e Unamuno, por outro lado, se opõem a qualquer pensamento que negligencia a existência humana ou o homem de carne e osso (nas palavras do próprio pensador espanhol no livro do sentimento trágico da vida) para privilegiar longas e infindáveis abstrações em prol de uma razão universal e absoluta a mover a história e a civilização. Palavras como angústia, desespero, escolhas, possibilidades, decisão, esperança, amor, transcendência e liberdade são frequentes nos livros desses ilustres pensadores. Ao contrário daqueles que se perdem no excesso de abstração e rabuscamento, quão verdadeiro é aquele que admite as suas fraquezas, inquietações e angústias; e, a partir daí, tece excelentes reflexões acerca dos dramas mais comuns da humanidade!
De fato, meditar sobre a própria tristeza é infinitamente mais fecundo do que erigir um sistema onde o próprio autor não inclui seus próprios fracassos, vivências, inseguranças, frustrações, infelicidades e até mesmo paixões!
O começo de toda singela e verdadeira filosofia se dá mediante uma dúvida orgânica e uma inquietação profunda, não nos moldes de um Descartes desesperado em estabelecer as bases da ciência moderna mediante a dúvida metódica, mas de um pensador crepuscular como Cioran e Schopenhauer que vivenciaram a arte da dúvida, levando-a às últimas consequências. Este último, apesar de ter criado um pensamento sistemático bem elaborado, não deixou de expressar a sua própria dor em face das misérias do mundo ferido, segundo o mesmo, pela vontade insaciável, cuja força indestrutível e ao mesmo tempo una, implacável e irracional, sujuga todo ser humano num desastroso descontentamento.
4-
O meu pensamento, que não deixa de ser influenciado pelas ideias dos livre-pensadores e ao mesmo tempo inspirado pelos aromas da poesia (pois busco me munir do lirismo dos poetas para desenvolver ensaios carregados de emoção e fluidez no estilo), só se tornou possível graças a uma desenvoltura quanto ao conhecimento da minha dinâmica interna, na qual só foi desvelada através de uma sincera e apaixonada expressão lírica. Para isso, precisei direcionar, numa entrega fervorosa, as minhas percepções para os conteúdos e manifestações que emergem das regiões mais abissais de meu ser. O desespero, o sofrimento, o amor em suas diversas manifestações e tonalidades, a voluptuosidade dos sentidos em geral e mais um oceano de sentimentos, desejos e emoções, tão comuns a vida de todo ser humano, são certamente elementos que se tornam imprescindíveis para compor uma verdadeira obra-prima acerca de nossa condição trágica. Penso eu que não abordar numa filosofia esses elementos é negligenciar o que há de mais essencial numa verdadeira sabedoria: as indagações pelo sentido de nossa existência e as razões supremas que motivam o nosso viver. É do íntimo de cada um de nós que emerge respostas e sinais que pode nos ajudar, ainda que modestamente, em nosso próprio processo de cura e libertação.
Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 30/10/2018