TERAPIA FAMILIAR, VISÃO SISTÊMICA E A CONTRIBUIÇÃO DE JUNG
A terapia familiar sistêmica iniciou a sua contribuição para a psicologia na década de 50, nos Estados Unidos, na cidade de Palo Alto, no estado da Califórnia. O primeiro foco de um grupo de pesquisadores como Bateson, Jackson, Haley, Weakland, Weatzlavick e Beavin foi o estudo da esquizofrenia, cujo objetivo era a compreensão de sua etiologia. Esse tipo de prática a que hoje damos o nome de terapia familiar sistêmica foi, sem dúvidas, uma contribuição que mudou um cenário, trazendo uma nova concepção de prática terapêutica no âmbito da família, a saber, o modo de visão sistêmica.
Primeiramente, esse grupo de cientistas, realizaram um estudo mais detalhado das interações familiares e descobriram o que Bertalanffy (1933) havia formulado, ou seja, alguns princípios básicos imprescindíveis na aplicação de vários sistemas, entre eles os físico-químicos e os biológicos.
O grupo de Palo Alto produziu uma teoria responsável por compreender o sistema humano, cujos princípios são fundamentais para a regulação de todos os outros sistemas, até mesmo o cibernético.
Um dos aspectos mais importantes para investigar o histórico de uma família e realizar bons avanços no tratamento de um indivíduo adoecido são os complexos, um conceito empregado por Jung para descrever as reações de alta carga afetiva e emocional diante de certos estímulos. O psicólogo de Zurique, na sua terceira conferência de psicologia analítica, vai dizer com mais clareza o que o mesmo entende por complexos, os quais podem possuir o indivíduo com reações inusitadas: ''Um complexo é um aglomerado de associações- espécie de quadro de natureza psicológica mais ou menos complicada- às vezes traumático, outras, apenas doloroso e altamente acentuado''.
Com esses estudos sobre a saúde mental das famílias, estudos esses que abordam sobre a maldição familiar, arquétipos parentais e a influência dos pais sobre os filhos, Jung antecipou os demais estudos desenvolvidos entre as décadas de 50 e 60 pelos terapeutas sistêmicos na sua compreensão profunda sobre a dinâmica familiar, especialmente aquelas onde havia doenças mentais graves.
Muitas vezes, a família é a grande responsável por produzir complexos na vida psíquica de um indivíduo e gera problemas de índole moral marcada pelo destino, que vai além da capacidade humana consciente. Jung, no livro 'O desenvolvimento da personalidade'' vai dizer: '' Essa situação como causa, que os problemas dos pais têm sobre a alma da criança, estaria mal interpretada se alguém pretendesse considerá-la sempre de modo exclusivamente pessoal, como se fosse um caso de moral. Na maior parte das vezes, trata-se muito mais de um índole moral (éthos) marcada pelo destino e que se situa além do que é possível a capacidade humana consciente. (...) Trata-se de uma culpa impessoal dos pais, pela qual o filho também deverá pagar de modo igualmente impessoal''.
Nos seus bem conhecidos ''Estudos experimentais'', vol.2 das obras completas, Jung vai justamente abordar sobre tais complexos e a importância da constelação familiar no parágrafo 999. É possível perceber que, mediante o teste de associação de palavras, há a presença dos mesmos complexos numa mesma família, sendo alguns constelados na vida dos filhos, os quais acabam recebendo dos pais e mães, profundamente marcados pelos seus antepassados. No parágrafo 1006, Jung apresenta o caso de uma moça de 16 anos que reage ao mundo como a mãe sofredora, mendigando afeto. A chance, infelizmente, de se casar com um homem agressivo e beberrão igual ao pai é grande, pois essa tendência, quando conscientizada, pode levá-la a um destino catastrófico.
O pai da psicologia analítica no vol. 2 das obras completas, estudos experimentais, vai dizer no parágrafo 1007: ''A desarmonia latente entre os pais, uma preocupação secreta, desejos secretos e reprimidos, tudo isso produz na criança um estado emocional, com sinais perfeitamente reconhecíveis, que devagar mas segura e inconsciente vai penetrando na psique dela, levando as mesmas atitudes e, portanto, às mesmas reações aos estímulos do meio ambiente''.
Na perspectiva da teoria sistêmica, grupos de pessoas, como casais, famílias ou relações psicoterapêuticas, podem ser vistos como circuitos de retroalimentação, ou seja, o comportamento de cada pessoa afeta o comportamento de outras pessoas e é também afetado por elas. Como Jung num fragmento que compõe o seu trabalho sobre a prática da psicoterapia: ''O encontro de duas personalidades assemelha-se ao contato de duas substâncias químicas: se alguma reação ocorre, ambas sofrem transformação''.
Diante de tantas dificuldades apresentadas no trabalho com famílias em conflitos que podem vir de gerações, é necessário que o terapeuta família siga algumas recomendações, a fim de que seu trabalho produza bons resultados. Por exemplo, se for terapia de casal, entrevistar sempre o casal junto, mas se for jovem ou adolescente, chamar a família toda para uma entrevista. Já se for uma criança, iniciar a entrevista com os pais ou responsáveis. Se for necessário, devido a demanda do caso, entrevistar cada membro da família isoladamente, a fim de obter um panorama geral sobre a situação do paciente.
Um dos melhores diagnósticos para a terapia, é aquele que permite ao grupo social responder às tentativas de mudança, começando com todas as partes envolvidas que estejam incluídas no projeto de transformação e melhora.
É recomendável, para a realização satisfatória da terapia, que o psicoterapeuta familiar passe por algumas fases. A primeira delas, é onde o terapeuta acolhe e observa cada pessoa e cada relação interpessoal, sem fazer qualquer comentários. A segunda fase, é onde são discutidos os problemas; é também onde emergem os questionamentos a respeito dos motivos da consulta, bem como a opinião de cada membro da família. Na terceira fase, é a oportunidade de se conhecer melhor a interação da família, como por exemplo, o entendimento mais apurado sobre a relação da criança considerada ''problema'' com os adultos envolvidos mais diretamente na sua educação. A última e quarta fase é a explicação dos objetivos da terapia; é também nesse momento que o psicoterapeuta pede para cada pessoa da família dizer o que espera da terapia familiar.
A terapia familiar e a contribuição da visão sistêmica podem auxiliar e muito as famílias que passam por inúmeras crises no seu âmbito, especialmente uma criança no seu processo de aprendizado. Uma vez que certos complexos familiares podem ser responsáveis por produzir dificuldades no convívio e na vida social de um indivíduo, uma terapia que visa o núcleo da família pode ajudar na minimização de impactos profundos na vida de pessoas, produzindo espontaneamente uma consciência transformadora dos impactos gerados na sua estrutura.
Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 10/09/2021
Alterado em 10/09/2021