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Poesias, ensaios e reflexões de Alessandro
O segredo da existência humana reside não só em viver, mas também em saber para que se vive. F. D.
Textos
CRIAÇÃO DA PRÓPRIA HISTÓRIA
Antes de falarmos que temos um corpo que reveste a nossa alma, somos o nosso corpo que sente, que ama, que sofre, que escuta, que vive uma epifania, etc. Somos, outrossim, o nosso corpo  escrevendo, articulando ideias, produzindo obras de arte, aprendendo novos idiomas, cultivando amizades, etc. Certamente, existe algo de muito profundo e de anímico em tais vivências...

A partir dessa perspectiva, é possível citar um texto do psiquiatra Van Den Berg, onde ele traz uma reflexão sobre o homem e o mundo com base numa visão fenomenológica na psiquiatria de sua obra O paciente psiquiatrico: "A relação entre o homem e o mundo é tão íntima que seria errado separá-los, num exame psicológico ou psiquiátrico. Se forem separados, o paciente deixará de ser esse paciente particular e o seu mundo deixará de ser seu mundo. Em primeiro lugar, nosso mundo não é um conglomerado de objetos que podem ser cientificamente descritos. Nosso mundo é o nosso lar, nosso ambiente, nossa casa, uma realização de subjetividade. Se desejarmos compreender a existência humana, teremos que prestar  ouvidos a linguagem dos objetos. Se estivermos descrevendo um sujeito, teremos que elaborar a cena na qual o sujeito se revela".

Do mesmo modo, antes de termos uma história de vida como um baú de memórias marcantes, somos a nossa própria história de vida que se reescreve a cada dia, uma história cujos acontecimentos dependem tanto de nossas ações no mundo em que vivemos, quanto de nosso próprio mundo circundante ou entorno que nos move e nos afeta (negativa ou positivamente).

Somos, pois, o resultado das histórias que vivemos,  mas somos também essa intencionalidade que produz efeitos no meio em que estamos inseridos, podendo ser articulada por um ato responsável e criativo, ou por um ato inconsequente e destrutivo. Além do lugar em que vivemos, somos no mundo e estamos situados no mundo...até porque tudo o que fazemos, está em continua relação com as coisas, com os seres vivos, com outros seres humanos, com os artefatos que criamos e com a divindade de nossa vida.

Quanto as coisas que nos rodeia, as dotamos com um gosto particular, como por exemplo, a posição dos móveis numa casa ou a ordem dos livros numa livreira, recriando o nosso próprio universo que revela o nosso ser nas coisas que nos pertence em determinado tempo-espaço.  Mais uma vez o psiquiatra Van Den Berg  no seu livro esboço de psicopatologia fenomenológica nos dá uma excelente inspiração acerca desse assunto: '' As coisas têm algo a nos contar: isto é muito conhecido pelos poetas e pelos pintores; por isso é que os poetas e pintores são fenomenologistas natos; ou melhor, somos todos fenomenologistas natos; mas são os poetas e pintores entre nós que são capazes de transmitir os seus pontos de vista para os outros, processo este também tentado, laboriosamente, pelo fenomenologista profissional. Todos nós compreendemos a linguagem das coisas. Vivemos num mundo ajustado e evidente por si mesmo. O nadador lança-se à água porque a água lhe prova, de mil modos, que está pronta a receber o seu corpo. A criança agarra a areia aos punhados, porque a areia lá está a lhe gritar: agarra-me!  É desta maneira que nos mudamos para uma casa. Vemos os quartos da maneira que serão mobiliados mais tarde; aí o cantinho onde sentaremos, ali a cama para a criança, acolá a quentura para o inverno, ali adiante a frescura para o verão. Por aí tudo se estende a domesticidade; a casa é habitável''.

A atitude fenomenológica, mais do que um percurso metodológico, uma perspectiva filosófica ou uma ciência para o campo da psicologia, é um estilo de vida, um modo de ver as coisas tal como elas se mostram, na sua forma mais originária e em estado nascente. Com base nessa postura de vida, conseguimos compreender a nossa relação com os objetos inanimados, com os seres vivos e os nossos semelhantes, de modo que passamos a construir a nossa própria história em face do mundo que nos circunda, desse mundo pré-reflexivo que é, a princípio, passível de ser observado e trabalho de modo singular por cada ser humano.

A existência humana é permeada de possibilidades, porém não deixa de estar condicionada no tempo e no espaço. Somos seres livres para mudar a nossa história, ao mesmo tempo em que somos marcados pela influência dos acontecimentos da história realizada e contada todos os dias. Da nossa inter-relação com as coisas, seres e pessoas, nasce novas ideias, perspectivas e experiências que marcam para sempre o nosso ser, seja no sentido de aprendermos com as circunstâncias (e não voltarmos para a mesma situação), seja no sentido de perdermos a alegria de viver, seja ainda no sentido de enxergarmos novas saídas em meio aos obstáculos.

Cada ser humano, em face dos acontecimentos de seu mundo, dá uma interpretação própria e peculiar para cada fenômeno na sua singela manifestação. E cada ser humano, na sua liberdade de ser e de ser o seu ai no mundo, dá significado as suas vivências, recriando de forma de singular os contornos de sua própria historicidade e realidade existencial.
Alessandro Nogueira
Enviado por Alessandro Nogueira em 24/03/2023
Alterado em 05/07/2023
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