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Ter acesso a realidade significa apreender uma perspectiva dessa realidade tal como ela se mostra para nossa consciência, mas jamais na sua totalidade e plenitude como se fossemos um observador imparcial e incontaminado. Tal como enfatiza a fenomenologia de Husserl, toda consciência é consciência de alguma coisa, sustentando com isso a concepção da intencionalidade da consciência. Ora, quem conhece tal perspectiva não deixa de ter a sua própria realidade, a sua própria verdade, a sua cosmovisão, o seu próprio mundo, que muitas vezes é distinto daquele com o qual estabelecemos contato. Mas isso não significa que essa incompletude não tenha o seu fascínio, até porque só tornamos conscientes o que nos falta, o que antes era para nós desconhecido, incognoscível e impenetrável. A condição de nossa existência é a ideia do incompleto, do inacabado e da abertura para possibilidades latentes; somos, portanto, um constante fluxo de vivências e de descobertas; um vir a ser ininterrupto de transformações tal como a própria natureza no seu ciclo. Aliás, como já Kierkegaard, somos uma síntese entre finito e infinito, liberdade e necessidade, espírito e matéria. E por que não dizer, de visível e invisível, de animalidade e racionalidade? Por sermos tão complexos, nunca podemos ser unilaterais quando buscamos fazer um entendimento do que é o ser humano, justamente em razão das polaridades inerentes a própria realidade da alma e de nosso ser. O que mais podemos fazer é observar a nós mesmos, reconhecendo as nossas próprias polaridades, sejam elas no sentido moral ou espiritual. E assim nos tornamos talvez mais próximos da integridade e de uma inteireza de caráter que nos aproxima de nossa verdadeira humanidade.