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A VIVÊNCIA DA ANGÚSTIA
Sofrer com a condição humana, no entanto, é algo que só consegue quem estar aberto para a verdade ontológica, e isso é concernente para aqueles seres humanos, que estão muito pouco ou mesmo não estão mais ancorados no senso comum. Sofrer com o próprio ser, portanto, é algo que só tem como ser experimentado por aqueles para quem falta a proteção "normal" ante a angústia, proteção essa que é oferecida pelo senso comum àqueles homens, que tomam parte nele. Uma vez que a angústia nos descortina a verdade sobre o próprio ser, o sofrimento com o próprio ser é sempre um "Sofrer com a angústia", esteja essa angústia agora manifesta em quaisquer receios irreais, esteja ela, porém, por detrás dos sintomas complexos compulsivos ou mesmo psicossomáticos.
(Ensaios sobre o sofrimento humano: a existência entre esquecimento de si e lembrança emocional
Autora: ALICE HOLZHEY-KUNZ. p.120)
Com base nesse texto de Alice, pretendo tecer algumas consideraçôes sobre o sofrimento da experiência da angústia. Nessa perspectiva, sofrer com a própria condição não necessariamente é um mal que acomete o ser humano, mas às vezes é um despertar para quem ele realmente é e a tomada de consciência de suas próprias limitações e possibilidades existenciais. Quem sofre com o próprio ser, como diz a autora, está suscetível de experimentar a angústia no seu ser. Como diz Heidegger, autor que a autora do texto dialoga sobremaneira, a angústia é uma disposição privilegiada que nos coloca diante do nada e nos faz sentir estranhos mesmo num contexto mais propício a se sentir em casa e familiarizado, de modo que: ''A angústia não é somente angústia de...mas, como encontrar-se, ela é ao mesmo tempo angústia por... Aquilo por que a angústia se angustia não é um determinado modo-de-ser ou uma determinada possibilidade do Dasein. A ameaça é, de fato, ela mesma indeterminada e, por isso, não pode penetrar ameaçadoramente neste ou naquele poder-ser factualmente concreto. O porquê da angústia se angustiar é o ser-no-mundo ele mesmo''. (Ser e tempo. p. 525). De fato, a angústia nos aproxima da verdade de quem somos, portanto, de nossa real condição e da consciência de nossa finitude. Quando nós deparamos com essa verdade, inevitavelmente abrimos espaço para a vivência da angústia.
Na visão de Kierkegaard, na obra conceito de angústia, está é definida como: "(...) uma antipatia simpática e uma simpatia antipática. A linguagem usual o confirma inteiramente: a doce angústia, a doce ansiedade. (...) Observando-se as crianças, encontra-se nelas a angústia de um modo mais determinado como uma busca do aventuroso, do monstruoso, do enigmático". Observando essa reflexão do filósofo dinamarquês, percebemos que o incerto e o misterioso produzem a angústia justamente porque tiram de nós a capacidade de prever o nosso futuro. No entanto, é na angústia que aprendemos muito sobre nós mesmos e do mundo a nossa volta. O sofrimento da angústia pode ser doloroso, mas pode muitas vezes nos tirar do conformismo, da ilusão e de nosso autoengano. Pensar nessa questão ontológica da angústia nos ajuda a não encarar tudo como doença e como algo a ser eliminado do ser. Em vez disso, nos dá subsídios para a vocação da compreensão de alguém cujo sofrimento é com o seu próprio ser no mundo, a angústia diante de sua própria condição humana.
Indo mais adiante na obra de Alice, Ensaios sobre o sofriemnto humano, deparamos com um capítulo dedicado ao estudo do pensamento de Kierkegaard e a concepção de que a angústia é a vertigem da liberdade humana. Há um trecho em que a autora faz essa menção. Ela diz: ''Somente na modernidade pós-religiosa, angústia pode vir à tona uma vez mais e, por isso, ser reconhecida por Kierkegaard como a angústia do particular ante a sua liberdade. Kierkegaard introduz, como se sabe, a angústia com a observação de que ela seria 'completamente diversa do temor e de conceitos semelhantes' (cf.&5). O animal também pode se atemorizar; angustiar-se em contrapartida, só o ser humano pode, pois só ele é livre. A maioria dos senhores devem conhecer a famosa metáfora kierkegaardiana como a 'vertigem da liberdade' ''. É claro que nossa liberdade é limitada e finita. A liberdade humana está atrelada a nossa liberdade de escolhar entre as possibilidades determinadas. A angústia muitas vezes surge quando nos deparamos com as possibilidades e os riscos inerentes as nossas escolhas. Com base nessa perspectiva interessante, não podemos nos desvincular da responsabilidade emergente em nossa capacidade de escolher este e não outra possibilidade ou alternativa. Muitas vezes, uma escolha errada pode gerar um sentimento profundo de culpa ou um certo arrependimento quando um ser humano está disposto a dar a volta por cima e mudar alguns aspectos de sua vida.
Essa reflexão nos leva diretamente ao pensamento sobre a nossa condição de nós seres humanos que, mesmo fazendo a experiência da liberdade diante das possibilidades, nos deparamos constantemente com a angústia de nosso ser-no-mundo, como dizia muito bem Heidegger. A vivência da angústia está muitas vezes por detrás de muitos quadros clínicos complicados, porquanto o que está em jogo é a nossa própria existência num mundo marcado por certos acontecimentos, situações ou tendências, nos levando diretamente ao conhecimento de quem somos independentemente das máscaras sociais que criamos para sermos aceitos ou nos encaixarmos em determinados estereótipos. E na perspectiva de Alice, como vimos no texto acima: ''Uma vez que a angústia nos descortina a verdade sobre o próprio ser, o sofrimento com o próprio ser é sempre um 'Sofrer com a angústia', esteja ela, porém, por detrás dos sintomas complexos compulsivos ou mesmo psicossomáticos''. O sofrimento com o próprio ser é indicativo de uma vivência profunda da angústia do ser humano com o seu próprio ser no mundo; portanto, como já havia dito antes, quanto a sua própria condição humana: uma abertura para o ser que somos, abertura essa contra as certezas mais aprisionantes do senso comum.